A minha biografia do Brasil : 1500-1822

A história só é previsível quando vista de longe. De perto, tudo é muito confuso.

— Citação do Brasil: uma Biografia, por Lilia M. Schwartz e Heloisa M. Starling

Das vastas terras dos Pampas no Rio Grande do Sul até o monte em forma de escudo de Roraima, da densa floresta no estado do Acre ao pôr do sol de Fernando de Noronha, em Pernambuco, este continente tropical chamado Brasil nunca carece de elementos históricos: sol, flores, pássaros, Palmeiras, rio Amazonas, Pantanal, Foz do Iguaçu, mitos indígenas, grupos multiétnicos de indivíduos, a curva elegante das igrejas, tristes histórias de injustiça, e um povo que, mesmo sofrendo, carrega um sorriso no rosto. O Brasil não é simplesmente um país; para alguns, é apenas um lugar para acumular fortuna e depois ir embora; para muitos, é uma relutância em se mudar ou reconstruir a vida; e para a maioria das pessoas hoje, é o seu lar, gostem disso ou não.

A história do Brasil, desde a chegada dos portugueses em 22 de abril de 1500 até os dias atuais, é um período relativamente curto em comparação com a totalidade da civilização humana. Mas é impossível negligenciar a riqueza dessa trajetória. Assim, este texto serve como uma resenha do livro Brasil: Uma Biografia. Claro que não posso abordar todos os detalhes do conteúdo do livro. A forma mais produtiva é escolher uma perspectiva interessante para discutir a história do Brasil.

Como mencionei no primeiro parágrafo, descrevemos este país como um continente — uma vasta massa de terra que ocupa uma percentagem grande do territórios mundial. Como essa terra gigante foi formada? Existem outras perguntas instigantes: como manter essa imensidão unida? E, ao longo desses 500 anos, essa terra foi de fato unificada sem rebeliões tentando dividi-la? Uma resposta simples de “sim” ou “não” não é o objetivo desta resenha: na verdade, faremos uma tentativa de compreender o fluxo de poder baseado nas regiões e seus conflitos.


O nome Brasil, a economia da cana-de-açúcar e a escravidão

É incrível como o mundo já foi dividido entre dois países: Espanha e Portugal. Mas essa é a realidade do Tratado de Tordesilhas: uma linha que divide o mundo ao meio, passando perfeitamente pelo território brasileiro, com a parte leste pertencendo a Portugal e a oeste à Espanha. Isso significa que o Brasil não deveria ser tão grande quanto é hoje.

Contudo, para Portugal na época, isso era aceitável, pois o foco do império estava no comércio com a Índia. Assim, embora em 22 de abril de 1500 o Brasil tenha sido descoberto por Pedro Álvares Cabral, ele era apenas periférico. Este novo território recebeu vários nomes: Terra de Santa Cruz, Ilha de Vera Cruz, Terra dos Papagaios… Mas, no fim, o nome que prevaleceu foi Brasil (cor da brasa), em referência ao pau-brasil, madeira de onde se extraía pigmento vermelho. Esse nome já revelava o destino inevitável desta terra: a exploração.

Naturalmente, uma terra tropical tão vasta era ideal para o plantio de especiarias. E esse era o plano português: plantar cana-de-açúcar, planta originária da Papua Nova Guiné com alto teor de açúcar. Primeiro, foi cultivada na Ilha da Madeira, depois em São Tomé e Príncipe e, por fim, no Brasil — formando o primeiro setor econômico estruturado: a economia da cana.

Para plantar a cana-de-açúcar, era necessário desmatar. Assim, o conhecimento sobre o Brasil começou por pontos, depois linhas, até formar áreas — o processo de interiorização. A terra foi dividida por meio das sesmarias (concessões de terra pela Coroa portuguesa), com grande concentração econômica no Nordeste, tendo Salvador como a primeira capital.

Mas os portugueses não estavam sozinhos: esta terra era habitada por povos indígenas há milhares de anos. Como era escassa a mão de obra, tentou-se escravizar os indígenas, mas eles se mostraram “desobedientes”. Assim, surgiu a ideia de trazer africanos escravizados. Em 500 anos, mais de 70% da história do Brasil foi marcada pela escravidão. A Bahia concentra a maior população negra fora da África. A resistência também merece destaque: os escravizados fugiam, rompiam regras e criavam quilombos. O mais famoso, Palmares, resistiu quase um século.

Além dos portugueses, outras potências tentaram colonizar o Brasil. Houve invasões francesas no Rio de Janeiro e, durante a União Ibérica, a mais significativa: a invasão holandesa em Pernambuco. Diferente dos portugueses, os holandeses administraram bem a região, construíram infraestrutura, incentivaram artes e estudos. Embora Pernambuco tenha sido retomado pelos portugueses, existe teoria até hoje que o Brasil teria sido mais forte sob domínio holandês. A experiência deixou Pernambuco com uma reputação de região rebelde.


Economia do ouro e rebeliões

A concentração da produção total na região Nordeste não prevaleceu por muito tempo. Com a descoberta de ouro na região de Minas Gerais, a principal função da colônia mudou rapidamente para a mineração de ouro. Encontrar prata e ouro era o sonho de todo colonizador. É por isso que existe o grupo dos bandeirantes (exploradores e colonos no Brasil colonial que participaram de expedições para expandir as fronteiras da colônia e subjulgar os povos indígenas durante o período moderno). Na verdade, a expansão luso-brasileira além da linha de Tordesilhas só foi possível com a ajuda desses bandeirantes. E, claro, com uma maior interiorização do território da colônia, o mais importante era encontrar economias capazes de sustentar esse vasto território; é nesse contexto que a economia do ouro surge. Com uma margem significativamente maior do que a economia da cana-de-açúcar, a economia do ouro passou desde então a definir a concentração do poder financeiro e político na região Sudeste do Brasil. Em 1763, a colônia luso-brasileira transferiu sua capital de Salvador para o Rio de Janeiro, por ser o porto mais importante para o escoamento do ouro.

No entanto, nem mesmo a economia do ouro no Brasil conseguiu salvar o destino do império global de Portugal. As reformas do Marquês de Pombal não tenham interrompido o declínio dos portugueses; e para os historiadores que pesquisam o Brasil, as rebeliões que precederam a chegada da família real portuguesa são o tema mais significativo desse período. O brasileiro estava cada vez mais consciente da singularidade do Brasil dentro do império, e essa consciência, somada à influência do Iluminismo, levou à Conjuração Mineira. Inspirados pela independência das treze colônias na América do Norte, seu plano era libertar a capitania do domínio português e estabelecer um governo independente, com a proclamação de uma república. Vale destacar que essa ideia surgiu antes mesmo da Revolução Francesa.

A rebelião, na verdade, representa uma insatisfação com o regime vigente e envolve atos de oposição contra o governo. Ao longo da história do Brasil, a rebelião tem sido um tema recorrente, seja liderada por escravizados, pelo povo local, pela elite regional, ou na busca pela independência do Brasil, como exemplificado por D. Pedro, príncipe do império global português. As justificativas para a insurreição podem ser diversas: políticas, econômicas, regionais, religiosas, relacionadas à escravidão ou à cobrança de altos impostos. Uma quantidade excessiva de insurreições, seja sob a forma de colônia, império ou república, indica que o poder do governo central é constantemente desafiado. Podemos, inclusive, identificar um padrão: a parte burocrática ignora os pedidos do povo, desrespeita-os, ou ela própria é o problema — e tudo acaba sendo resolvido de forma violenta. No Brasil, a ordem institucional existe apenas no papel, não como uma lei sagrada a ser seguida. Contornar as regras, ou até mesmo desafiá-las, é uma extensão do “jeitinho brasileiro”, já que os brasileiros muitas vezes não confiam em sua burocracia — o que, de certo modo, é justificado, dado o histórico de ineficiência, corrupção, discriminação e injustiça tradicionalmente associado ao governo central

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Família real e independência

Se fosse preciso eleger o estrangeiro mais influente na história do Brasil, esse seria Napoleão Bonaparte. Suas guerras obrigaram a família real portuguesa a fugir para o Brasil, trazendo inúmeras consequências.

Geograficamente, foi inédito: um monarca europeu se instalando na colônia, criando um império no “periférico”. Por que o Brasil? Portugal poderia ter buscado abrigo no Império Britânico. Mas, reconhecendo a força de Napoleão (e o fracasso espanhol em resistir), decidiu transferir a corte para sua colônia mais valiosa.

Na verdade, o fracasso da resistência por parte dos espanhóis e a fuga dos portugueses determinaram, respectivamente, os diferentes destinos de suas colônias. Com a perda da antiga monarquia e a ascensão do irmão de Napoleão ao poder, a América Espanhola, já insatisfeita com o antigo regime, aproveitou a oportunidade para iniciar seu processo de independência. A Espanha perdeu sua antiga monarquia e também suas colônias. Por outro lado, o Império Português foi mais astuto: transferiu seu governo para a América Portuguesa, o que permitiu a Portugal controlar a colônia mais importante de seu império e, posteriormente, manter a estrutura original do império.

De fato, se você fosse à escola hoje para aprender sobre a história do Brasil, provavelmente o professor dividiria a questão de rebelião em três períodos distintos: o período colonial antes da chegada da família real, o período do reinado e regência de D. Pedro, e o período da Velha República. Entre os dois primeiros períodos, está a existência da monarquia portuguesa. Não se pode dizer que não houve conflitos durante esses longos anos, como evidencia a Revolução Pernambucana, que ocorreu durante a existência da monarquia. No entanto, comparado aos três períodos que discutimos anteriormente, neste período a rebelião brasileira não se encontra em uma situação que o governo central não possa controlar.

Separadamente, a Revolução Pernambucana está ligada à crise socioeconômica que o Nordeste vinha enfrentando há quase um século, em grande parte devido à desvalorização do açúcar e do algodão do Brasil no mercado externo. Além disso, a presença da família real portuguesa no Brasil aumentou o custo de vida devido à carga tributária, o que gerou descontentamento entre o povo de Pernambuco. O movimento tem uma característica separatista local: a criação de uma república de Pernambuco nos moldes dos Estados Unidos. Trata-se de uma tentativa de uma região brasileira de se separar do poder do governo central.

No entanto, chamamos isso de rebelião porque, no fim das contas, fracassou. E quanto a uma rebelião que deu certo? É aí que entra a independência. Mas a independência do Brasil teve um fator muito importante que contribuiu para seu sucesso: a presença de D. Pedro sozinho no Brasil. Isso significa que a única rebelião que conseguiu de fato construir um novo governo no Brasil colonial veio, na verdade, do topo do poder. E esse padrão persiste: a fundação da Velha República do Brasil veio de um golpe militar; a Era Vargas também começou com um golpe militar; e, após isso, Getúlio devolveu o poder aos cidadãos; depois, veio a ditadura de 1964: golpe militar, e a Nova República surgiu com os militares devolvendo o poder ao povo. De fato, nenhuma dessas transições de governo foi feita de baixo para cima; pelo contrário, todas foram de cima para baixo.

Eis a parte da resenha sobre o período colonial. Essa resenha vai continuar na segunda parte: Império do Brasil e República do Brasil.

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